Carta a D.Manuel I: a Carta do Descobrimento


Carta a D.Manuel I: a Carta do Descobrimento

Pero Vaz de Caminha

Observações por Alan César

É interessante a forma como Pero Vaz de Caminha introduz a Carta do Descobrimento (1500), pois, além da forma de apresentar respeito a Vossa Alteza, Rei de Portugual, D. Manuel I, há um comprometimento deste escritor com o relato da verdade.

Certamente, ou intuitivamente, Pero Vaz previa a importância daquele documento que vira a redigir, tamanha a forma de detalhes com que a produziu.

Embora veja os índios como diferentes (pardos, avermelhados e com ossos no beiço), Caminha não age de forma preconceituosa, pelo contrário, diz-lhes ter “bons rostos e bons narizes”.

A feição deles é serem pardos, um tanto avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Nem fazem mais caso de encobrir ou deixa de encobrir suas vergonhas do que de mostrar a cara. Acerca disso são de grande inocência. Ambos traziam o beiço de baixo furado e metido nele um osso verdadeiro, de comprimento de uma mão travessa, e da grossura de um fuso de algodão, agudo na ponta como um furador. (A CARTA DO DESCOBRIMENTO)

Isso porque a ideia de beleza, naquela época, estava relacionada diretamente com a bondade cristã, ou seja, quanto mais belo, melhor pessoa.

Em outro momento, o fato de um dos nativos apontar para o colar de um dos descobridores e acenar para a terra, fizeram os portugueses, acredito, cobiçarem ouro na nova terra: “Todavia um deles fitou o colar do Capitão, e começou a fazer acenos com a mão em direção à terra, e depois para o colar, como se quisesse dizer-nos que havia ouro na terra”. Fato não negado nenhum momento pelos portugueses em explorar a terra, conforme se vê na carta.

Por mais que tentemos se colocar no pensamento daquela época e entender a forma de pensar (hoje, arcaico) dos portugueses, continuo vendo com inocência a ideia deles de que os índios ouviam com prazer e devoção a celebração da missa no território descoberto.

E ali com todos nós outros fez dizer missa, a qual disse o padre frei Henrique, em voz entoada, e oficiada com aquela mesma voz pelos outros padres e sacerdotes que todos assistiram, a qual missa, segundo meu parecer, foi ouvida por todos com muito prazer e devoção. (A CARTA DO DESCOBRIMENTO)

Voltando ao contexto do interesse português na terra, outra passagem da carta mostra o quanto confusos ficavam na tentativa de descobrir se havia ouro na nova terra, por não entenderem a linguagem indígena.

E ali esperou por um velho que trazia na mão uma pá de almadia. Falou, enquanto o Capitão estava com ele, na presença de todos nós; mas ninguém o entendia, nem ele a nós, por mais coisas que a gente lhe perguntava com respeito a ouro, porque desejávamos saber se o havia na terra. (A CARTA DO DESCOBRIMENTO)

Pela sua minuciosidade, a carta consegue criar na mente do leitor cenas de como possa ter ocorrido determinados momentos desses momentos históricos. E ao mesmo tempo em que a carta é vista como trágica pela intenção exploradora dos portugueses, ela é também cômica. A cena em que o “velho” tenta colocar a uma pedra verde na boca do Capitão é hilária.

Trazia este velho o beiço tão furado que lhe cabia pelo buraco um grosso dedo polegar. E trazia metido no buraco uma pedra verde, de nenhum valor, que fechava por fora aquele buraco. E o Capitão lha fez tirar. E ele não sei que diabo falava e ia com ela para a boca do Capitão para lha meter. Estivemos rindo um pouco e dizendo chalaças sobre isso. E então enfadou-se o Capitão, e deixou-o. (A CARTA DO DESCOBRIMENTO)

Ainda sobre o tamanho dos detalhes encontrados nesse documento, Caminha frisava constantemente o que estava vendo, parecia querer dizer “tudo” e ainda impunha as suas impressões, como em: “Todavia segundo os arvoredos são mui muitos e grandes, e de infinitas espécies, não duvido que por esse sertão haja muitas aves!”. E quando não se aprofundava na descrição de algum objeto, logo justificava que o Rei o veria posteriormente: “Os arcos são pretos e compridos, e as setas compridas; e os ferros delas são canas aparadas, conforme Vossa Alteza verá alguns que creio que o Capitão a Ela há de enviar”.

Algumas passagens são entristecedoras a meu ver, por exemplo: “E estavam já mais mansos e seguros entre nós do que nós estávamos entre eles”, pela inocência dos índios e por serem mal compreendidos, inclusive, quando o escritor supõe que eles não tinham crença - fruto da ignorância dos portugueses sobre o que viria a ser cultura na teoria contemporânea.

Parece-me gente de tal inocência que, se nós entendêssemos a sua fala e eles a nossa, seriam logo cristãos, visto que não têm nem entendem crença alguma, segundo as aparências. E portanto se os degredados que aqui hão de ficar aprenderem bem a sua fala e os entenderem, não duvido que eles, segundo a santa tenção de Vossa Alteza, se farão cristãos e hão de crer na nossa santa fé, à qual praza a Nosso Senhor que os traga, porque certamente esta gente é boa e de bela simplicidade. E imprimir-se-á facilmente neles qualquer cunho que lhe quiserem dar, uma vez que Nosso Senhor lhes deu bons corpos e bons rostos, como a homens bons. E o Ele nos para aqui trazer creio que não foi sem causa. E portanto Vossa Alteza, pois tanto deseja acrescentar a santa fé católica, deve cuidar da salvação deles. E prazerá a Deus que com pouco trabalho seja assim! (A CARTA DO DESCOBRIMENTO)

Neste último excerto da carta:

Contudo, o melhor fruto que dela se pode tirar parece-me que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar. E que não houvesse mais do que ter Vossa Alteza aqui esta pousada para essa navegação de Calicute bastava. Quanto mais, disposição para se nela cumprir e fazer o que Vossa Alteza tanto deseja, a saber, acrescentamento da nossa fé! (A CARTA DO DESCOBRIMENTO)

Caminha se contradiz ao considerar “esta gente”, referindo-se aos nativos, como o melhor fruto da terra descoberta, uma vez que seus interesses e de sua gente parecia estarem quase que unicamente focado nas riquezas que a nova terra poderia render.

Embora este trabalho seja de cunho acadêmico, para mim, foi de grande contribuição para o meu conhecimento vê-la na perspectiva da disciplina de Fundamentos de Cultura e Literatura Brasileiras. Anteriormente, não tive a oportunidade de estudá-la no ensino básico. Por fim, vejo que apesar de tão mal cuidado pelos os que comandam este País, o Brasil cresceu e hoje se sobressai em diversos aspectos sobre aquele que tanto o fez mal. Se no momento que Portugal descobriu o potencial da terra brasileira o seu rei tivesse transformado a nova terra em seu reino maior, talvez o destino tivesse lhe resguardado melhor sorte.

Comentários

  1. Curti! a carta deixa a gente conhecer um pouco a personalidade do escritor e visualizar o brasil de seu tempo. Também não tive a chance de conhecer-la no ensino médio.. mas sempre é tempo.. bjão, vc preencheu bem, minha pausa do trabalho. Gostei!

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  2. Fico muito feliz, Cam, por conseguir preencher seu tempo com o meu rascunho sobre a carta. Frisei apenas alguns momentos, há outros que nos dão raiva e nos fazem rir.

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